terça-feira, 23 de julho de 2013

Alvorecer


Reciclagem de uma redação para a escola. Um pouco supersticioso, simples e leve: gotas de água salgada, soa assim agora.

*

O homem tinha olhos tão cinzentos quanto a penumbra pela qual gostava de se locomover ao cair da noite, silencioso. Era um semeador de ventos.

Morava na maior fazenda de toda a região. E, ao crepúsculo, acendia seu cachimbo rústico e abria um sorriso manipulador. Com passos cuidadosos andava sem ser visto, para quebrar ferramentas, ceifar a vida de um animal, destruir plantações. Um trabalho sutil feito para parecer estrondoso, para ser encontrado pelo proprietário no dia seguinte.

Era um disseminador de sussurros. No dia seguinte lá estava, junto aos admiradores da pequena tragédia. Sempre presente pra semear a ideia, o suposto autor, a suposta ordem dos fatos, a suposta intenção. Plantar a maldade e criar vendavais, atordoando e confundindo.

Queimou armazéns, abriu cercas, quebrou tratores. Fundiu-se a sombra e brincou com o lado mais obscuro da desconfiança humana. Aprimorando-se conseguia destruir cada vez mais trabalhos.

Porém o revés chegou. Algumas famílias, quando pensavam só poder colher o ódio, desejaram pegar as sobras e aproveitar um fiapo de esperança. Tecer uma linha que unisse a todos, será que acordando um pouco mais cedo conseguimos nos resolver?

Alguns aprenderam até a cantar enquanto trabalhavam. E após os incidentes estranhos, antes celebrados por uns e lastimados por outros, agora tentavam se ajudar. Estender uma mão, sorrir quando chorar parecia a única alternativa.

E o semeador de intrigas ficou intrigado. Como semear a discórdia se agora só eram plantadas novas canções irritantes?

E no grande dia da colheita uma tempestade atingiu a fazenda do semeador de tristeza. Como num passe de mágica sumiram os pomares, sumiram os pastos, os equipamentos, o semeador de ventos. Onde estava? Como sumira com tudo do dia para a noite?

Sua terra ficou tão cinza como a cor dos seus olhos. Ninguém nunca mais atreveu-se a plantar por ali. E num raio de sol qualquer outro homem sorria, com olhos tão azuis quanto a calma de sua alma. Quando será que aqueles humanos teimosos aprenderiam que quem semeia ventos colhe tempestade? “Semeiem a solidariedade”, ele sorriu antes de sumir com a brisa, “e aprendam a colher o amor”.

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