sexta-feira, 26 de julho de 2013

Açúcar

Pequeno esclarecimento: gosto muito de Lola. Ela não sou, e tem olhos violeta.

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Querido Senhor Smith,

lembra-se do dia em que eu tanto pensava em amizade, amor e outros temas certamente aborrecedores? E que não conseguia conter a inquietação principalmente quando aquela palavrinha tão infeliz, “felicidade”, passeava pelos cantos de meus devaneios recorrentes?

Pois é. Acho que depois de tantas caretas e conclusões precipitadas, posso ter conseguido algo.

Sabe, foram muitas noites sem dormir direito e muitas voltas de bicicleta, todo aquele drama absolutamente necessário (inclua seu velho sorriso irônico aqui), para que eu conseguisse vislumbrar o vaga-lume de ideia.

O problema é que perdi muito tempo vagando pelos lugares errados. Procurando alegrias infinitas e soluções definitivas num mundo instável, e adoravelmente errático. Caçando as jujubas vermelhas do pacote, como se limão não estivesse à altura...

Enfim, lá estava eu, numa noite qualquer, conversando com um suposto amigo, um daqueles que atrai as palavras mais mirabolantes sem qualquer motivo aparente. Ele resmungava (como era de seu costume), e eu tentava remendar seus pedaços confusos e impacientes.

- Às vezes a felicidade não é tão simples.

- Isso mesmo – ele completou – acho que ela deve estar nos outros.

Nesse momento, com um estalido, me dei conta: ele estava absolutamente errado!

Quero dizer, podemos procurar esse contentamento em amigos, parentes e outras projeções de perfeição. Mas no fim, com toda a sinceridade, a tal felicidade está dentro de nós. Sempre esteve.

Ah, meu caro, minhas bochechas às vezes doem porque ultimamente tenho feito um esforço danado para sorrir e não trilhar o mau humor imediato. Ou pelo menos engolir todo o veneno possível, antes de começar a piorar meus problemas.

Estou começando a entender - de verdade - que não posso mudar tudo. Gostaria de arrancar mais sorrisos e encerrar mais conflitos antigos, mas isso é algo fora de alcance. Quem me dera arranjar mudanças profundas e rendições mágicas. Parar as brigas estúpidas e dizer o que (talvez, e só talvez) fizesse diferença.

Agora, quando os gritos começam a bloquear até o som da minha respiração, ponho os fones de ouvido, e ouço música o mais alto possível. Sorrio com as lembranças, assovio as partes que não sei e canto bem baixinho o que já decorei. Retiro-me da guerra que não me pertence.

Quando muito sozinha, pego a bicicleta e saio, só para sentir o vento do inverno bagunçar ainda mais meu cabelo. E para ver as borboletas – borboletas são tão dóceis e agradáveis. Um pequenino presente, nessa paisagem urbana e apressada.

É muito difícil ver alguns desabamentos a minha volta. Observar pessoas se arruinando, sempre presas aos mesmos vícios.

Mas é assim mesmo, não é? Todos. Sempre acham que são especiais por algum motivo. Bonitos ao seu modo, mais espertos do que se espera, corretos em sua moralidade torta...

Ilusões. No final todos humanos, errando e agarrando o egoísmo quando conveniente. A maldade pura e declarada, Senhor Smith, permanece mesmo nos filmes e nas novelas que assisto de vez em quando: crueldade estereotipada e rasa, sem passados e segredos, presa a motivos bobos e falas sem sabor.

Agora eu conto um segredo: não está sendo nada fácil essa minha revolução, Smith. Parece que quanto mais tempo passa, mais nítidos ficam os problemas, e mais me envolvo no emaranhado de desejos, sonhos e decepções. É muito feio, mas em alguns dias sinto certa arrogância. Noutros tenho vontade de quebrar o espelho pra não encarar mais meu reflexo, tão pobre, coitado.

Ando comendo mais do que deveria, já falaram com toda a (in)discrição possível que estou engordando. E também estou mais quieta, e a palavra pode ser difícil. É. Outro dia me chamaram de fraca. Não gostei muito do adjetivo, mas talvez seja isso. A desistência pacífica, bandeirinhas brancas e piano para acompanhar, uma marcha fúnebre e alguma canção capitalista cliché.

Pode ser raciocínio de gente enganada, mas nesse caso, se estou mesmo enganada não posso, sabe como é, ter conhecimento disso. Minha pseudo-verdade é: estou mais completa. Percebi que é muito melhor ganhar um “obrigado” de alguém mergulhado em amargura do que tentar (em vão) resolver  problema alheios, num exercício mental.

Não sou nem um pouco perfeita, isso é fácil de enxergar. Alguns não parecem estar gostando muito dessa minha relativa tranquilidade.

Mas eu consegui rir sozinha, tocando violão e comendo chocolate. Consegui dançar sem música, meu amigo. E gargalhei quando percebi que já estava saindo de casa sem as chaves.

Poderia ser mais divertido discutir isso se você existisse, cá entre nós. Meu pai provavelmente vai achar essa carta na gaveta, e rir de mim enquanto fuma seu cigarro com cheiro de hortelã, dizendo que estou enlouquecendo.

Não me importarei. Não preciso ouvi-lo, só dispersar esse cansaço da rotina.

Pode ser questão de comodidade e loucura, Senhor Smith. Não estou me importando muito.

Declarar-me feliz talvez seja um pouquinho de presunção, e um pouquinho de desprezo também por coisas que realmente preocupam. Certo, pode chamar de coisonas, se preferir assim.

Mas chega de complicar o complicado, certo? Certo.

Felicidade deve ser algo próximo disso, de apreciar o possível e conviver com o impossível. E lá venho eu de novo com minha filosofia barata. Muito delicado da sua parte não existir, e não contestar minhas linhas sinuosas e afetadas.

Obrigada por isso.

Com amor,
Lola.

P.s.: não sei por que, mas acho que esta carta ficou com gosto de açúcar...
P.s.²: talvez seja culpa do chá que eu estava bebendo. Deixemos essa discussão para um outro dia, sim, sim.

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Um comentário:

  1. Muito bom!! parabéns, você tem um ótimo jeito de se expressar!!

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